domingo, 27 de abril de 2008

MANUEL TAVARES LIDO POR WALMIR CHAGAS


Caros, depois de muitos pedidos de telespectadores, eis os versos de Manuel Tavares (Ode à Miséria) lidos por Walmir Chagas no ar. Ele os recitou também na abertura do espetáculo Sou feio e moro longe. Porém, copiei de anotações do próprio Walmir, e creio que há muitas incorreções de pontuação etc. Então, se alguém puder disponibilizá-los no original, agradeço.

Hoje não cantarei o Recife de Manuel Bandeira, o Recife da lira e das bandeiras liberais, o Recife do chicote queimado na Rua da União, do coelho sai! Não sai! O coelho sai! Não sai. Hoje cantarei o Recife das mulheres da vida, e desses homens marginais, o Recife dos loucos que riem de si mesmos como se fossem seres tão normais. O Recife sem glória e sem nomes. Cuja lista daria tranquilamente para encher as estantes da academia real de Londres. Hoje cantarei o Recife dos mangues das crianças exangues que teimam em existir. O Recife das crianças que andam sobre a lama em busca de um siri. Hoje cantarei o Recife do “É melhor partir!” – “Mamãe, eu vou pro Rio de Janeiro, acho que lá não tem um rio que fede igual a esse aqui!”, mas o rio Capibaribe não escuta porque está preocupado em molhar a várzea para desovar a miséria. Recife é coisa séria, às vezes esquisito, às vezes esquistossomose, e lá no bar Savoy, tantos de porre, lá no bar Savoy onde o poeta Carlos Pena Filho nunca disse “Recife, eu tenho pena de você!”. Hoje eu cantarei o Recife das pontes, mas não da família Pontes, nem Freyre, nem Bandeira. Hoje cantarei o Recife das pontes entre a bastança do ter e do não ter, o Recife dos mendigos, desses artistas de circo que saltam do trapézio pra morrer. Tampouco cantarei o Recife de terno, do cinema Moderno, pois o verdadeiro filme dessa cidade não passava ali. Cantarei o Recife das igrejas, da erva e da cerveja, do porre e do xixi. “Eu não quero ir pra Pasárgada, eu quero ficar aqui!!”.

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